quarta-feira, 16 de julho de 2014

10 anos de fim do mundo

Está a fazer 10 anos que me mudei para o fim do mundo. Eu que morava para os lados da Amadora, vim parar a um sitio sem esgotos, sem transportes, sem cafés ou supermercados. Não me lembro quando é que os meus pais decidiram comprar uma casa ou terreno mas lembro de andar a ver casas e terrenos. Lembro-me de uma casa enorme, abandonada, vandalizada, lembro-me que tinha uns vitrais com cores e que estavam partidos. Lembro-me da casa pequenina a beira da estrada que tinha um terreno tão a pique mas tão a pique que me lembro perfeitamente de estar cá em cima a olhar durante uns valentes 15 minutos a pensar "como raio as pessoas vão lá para baixo?" a única conclusão que cheguei é que iam a rebolar ou a escorregar. Lembro-me a primeira vez que percorri aquele que agora é o terreno onde vivo, percorri-o de uma ponta a outra com a avó, com erva a dar-me pelo peito (e não sou baixinha) caí numa ribeira que passa lá na ponta porque simplesmente não via nada.  Lembro-me da visita ao arquitecto, caraças pai e mãe deviam ter pensado melhor no assunto chegaram lá a querer coisas diferentes. Mãe queria dois andares, com o portão ao meio do terreno, uma garagem para quatro carros (viva a fartura), o máximo possível em madeira. Pai queria um andar, longe da rua de entrada, garagem para dois carros. Acabou por ter um pouco dos dois. Lembro-me quando começaram as obras, 3 homens da mesma família o avó, o pai e o filho. Lembro-me de virmos cá todos os fins de semana ver o progredir das obras, lembro-me de dormir ao sol nas placas de esferovite. Lembro-me de pensar que o meu quarto parecia pequeno, embora que na planta fosse o maior (vantagens de ser filha única). Lembro-me que depois de construída o meu quarto era efectivamente grande. Lembro-me de passarmos cá uma noite sem quase mobília nenhuma em que dormimos em colchões de ar na sala. Lembro-me de quando fomos comprar mobília e eu consegui trazer uns assessórios de graça. Lembro-me de passar a vir cá todos os fins de semana, 5 pessoas e 1 cão e 1 gata num carro mínimo mais as tralhas que tinham que vir atrás. A roupa que vinha suja à sexta e ia lavada e passada ao domingo, as compras, as coisas que ficavam cá e se estragavam durante a semana, daquela vez que a Milka não apareceu e ficou cá uma semana sozinha. Lembro-me que quando estava quase a terminar o 9º num jantar a mãe perguntou-me se queria mudar-me para cá ou ficar lá e eu sem pestanejar respondi que queria mudar para cá. Lembro-me que no último dia de aulas passei a tarde a carregar coisas de casa para o carro. Lembro-me do meu primeiro verão aqui, tinha 15 anos uma idade complicada. Os meus problemas de socialização e o facto de vir de um sitio tão diferente não ajudaram a integração. Lembro-me de ser gozada e as pessoas meterem-se comigo. Lembro-me de chorar porque não conseguia fazer amigos. Lembro-me de começar a escola e conhecer pessoas de outras freguesias e começar a integrar-me. Lembro-me de continuar a ser gozada pelas pessoas aqui da freguesia, vinha com elas no autocarro. Lembro-me que depressa arranjei namorado e isso foi um escândalo (tenho eu culpa que as pessoas daqui sejam parvas e não arranjem namorado). Lembro-me de me achar super importante porque esta gente só fazia era falar de mim (não devem ter vida interessante, tem que falar dos outros). Lembro-me dos bons momentos do secundário e de como as pessoas daqui passaram a ser insignificantes. E depois o tempo foi passando, com coisas boas e más até hoje que já estou a concluir o mestrado, que já ganhei e perdi amigos, que ainda não fiz um único amigo nesta terra de fim de mundo, que arranjei namorado e que acima de tudo não me arrependo de ter vindo para aqui. 

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